O colchão ainda é guardado no mesmo lugar?

Início de setembro. Foi mais ou menos nessa época do ano passado que nos conhecemos, não? Vai fazer quase um ano desde a nossa primeira transa. Nos separamos mais ou menos dois meses depois. Ficamos de setembro a novembro assim, transando, encenando um relacionamento, dormindo juntos no colchão extra do teu apartamento. Lembro que o colocávamos no chão da sala de estar e, durante a noite, brincávamos de esfregar nossos paus um no outro, cuidando sempre pra não gemer muito alto porque não queríamos que os teus colegas de apartamento ouvissem. 

Tínhamos uma brincadeira só nossa, lembras? O primeiro que gozasse deveria pagar a penitência de ser sujo pelo esperma do outro. Eu quase sempre perdia, e então tu te colocavas em cima de mim, apontando tua pica pro meu peito, até que o teu líquido jorrasse e eu fosse manchado no busto. Lembro que era bem quente.


Tudo era quente entre a gente. Ficamos dois meses nisso. Esfregando e esfregando, glande com barriga e glande com coxa. Sinto que eu sempre friccionava mais. Eu tinha uma certa empolgação que tu não tinhas. Era eu quem soltava os gemidos geradores de suspeitas nos outros quartos do apartamento. Era eu quem sempre gozava primeiro. É que eu tinha um entusiasmo em te ver, em estar a sós contigo no colchão da sala de estar. Tu eras meu protagonista. Eras o ator principal da nossa temporada de primavera.

E tu não te sentias da mesma maneira em relação a mim. Eu me dediquei à manutenção do atrito desde o começo, e tu não te prestavas a ele como eu. Eu coadjuvava. E tu esperavas que eu esfregasse pra ti. Era como se o trabalho de levar a foda ao orgasmo, de levar o público à catarse, fosse exclusivamente meu. Com o passar das noites, comecei a cansar de esfregar. Ficamos dois meses nisso, nessa performance injusta. Mais do que isso não aguentei. 

Durante os dois meses eu sustentei tudo. Eu propunha nossos encontros, me preocupava com os teus assuntos, sentia o orgasmo primeiro, decorava as tuas falas, esfregava sempre e não me continha nos gemidos. Era cômodo pra ti, não? Ter alguém que investisse tanta energia numa transa, alguém comprometido com seu papel. Tu não precisavas despender muito esforço, afinal, eu ficava ali, agarrado em ti, fazendo a fricção e o orgasmo acontecerem. Era quente também porque eu suava, não só porque eu tinha tua porra no meu peito. Era um quente sufocante. E minha primavera do ano passado foi por isso um verão prematuro, no chão da sala de estar do teu apartamento, onde eu me segurava, inutilmente, pra não gemer demais e pra não gozar primeiro.

Pois é. Agora é setembro de novo. Tu me convidas pra aparecer no teu apartamento. Sentes saudades de ser mimado no sexo? Quer ser satisfeito de novo e não encontrou ninguém que se submetesse aos teus caprichos de foda? Tenho certeza que o que tu queres é que façamos a mesma coisa do ano passado. Queres que passemos mais uma noite febril naquela sala. É óbvio pra mim. No fim das contas, quem mais se sujeitaria ao papel de friccionador como eu me sujeitei? De novembro do ano passado até hoje, tu deves ter percebido que a resposta é ninguém além de mim.

Tu inúmeras vezes deves ter emulado a minha imagem em outra pessoa. Lembro que quando rejeitei o teu colchão, quando terminamos, tu ficaras imensamente receoso. Quem agora esfregaria pra ti? Quem agora correria atrás de ti? Tu, o sempre recebedor e nunca doador, teria que finalmente suar com uma pica na mão? Tu teria que, enfim, esfregar? Claro que não. Tua índole é a mesma, e tu nunca vais te dar ao trabalho de satisfazer alguém. Não mudaste nada. E não é à toa que me convidas de novo pra tua sala de estar.


Mas sabes, desta vez eu não vou hesitar em atuar no papel que abandonei. Mais do que nunca, tenho consciência do sistema hierárquico que tínhamos construído no colchão. Sei que é isso que te dá prazer, e vou direto às falas e movimentos que tu preferes. Vou gozar primeiro. Vou sussurrar "me sujas?". Vou gemer mais alto. Vou tomar conta da fricção que tínhamos. Em total medida, vou relembrar o ano passado. Vai ser quente e vai ser em setembro. Tudo exatamente como tu imaginaras. 

E, não, eu não faço isso porque alimento esperanças de voltarmos. Não vou reproduzir tudo como fazíamos porque gosto de ti. De forma alguma. Desejo, na verdade, que tu te deleites ao máximo nesta noite porque quero me vingar. Quero que tu sempre relembres esta noite como a última vez que teve o teu ego e a tua glande foram bem tratados. Vou ser prestativo, solícito, teu. Pra que tu te lembres de mim com nostalgia e saudades. Pra que eu fique registrado. E pra que todas as vezes que tu trouxeres alguém pra esta sala, eu seja lembrado. Vou usar das tuas regras. Vou voltar à sala de estar, ao nosso palco, e atuar até de madrugada. Quente, em setembro, nós dois. Vai ser um puta espetáculo. 

O colchão ainda é guardado no mesmo lugar?

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Sobre o Autor

Gosta de línguas, reflexões introspectivas, UTAU/Vocaloid, discussões sobre gênero e sexualidade, do céu e de fazer da vida alheia um bordado de renda (de chita filó).

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