Léo ao Léu

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O enunciado é a forma físico-linguística de uma ideia. Por isso, não consiste somente na frase, mas na frase falada - com data, local, locutor, interlocutor e propósito daquele. Não consiste também e somente no texto, mas no texto publicado - com igualmente data, local, autor e leitor e motivação daquele. O enunciado é um evento físico, temporal, linguístico, vivo e dinâmico. 
Por isso, cada enunciado é único. Não há enunciados repetíveis, somente enunciados semelhantes. Não se pode repetir um enunciado por questões físicas. A localização no tempo-espaço é um fator determinante. Mesmo que um dia adquiramos a habilidade de voltar no tempo não há como re-enunciar algo, porque estar ciente da repetição do enunciado já interfere na própria enunciação. 
Cada 'oi' proferido é um cumprimento completamente distinto, porque, apesar de envolver sempre o mesmo locutor (você), há diferentes interlocutores em locais e datas distintos com propósitos variantes e entonações e articulações físicas específicas. O 'oi' da sua vizinha ontem será diferente do 'oi' da sua vizinha hoje, que será diferente de todos os outros 'ois' que você receberá durante toda a sua vida - porque cada um deles será enunciado de maneira ímpar.


Cada enunciado é, repito, um evento físico-linguístico inigualável. 

Ontem, na aula de Mandarim, perguntei ao meu professor como é a situação da carreira docente na China. É um assunto de meu interesse, dadas as condições salariais brasileiras (baixíssimas) e a minha atual desmotivação para com a licenciatura. 
A resposta dele foi angustiante, como é de se esperar quando se fala de educação, escolarização e capitalismo: os professores chineses estão fodidos. Como nós, do Brasil. Segundo ele, não há quase instituições públicas de ensino, e o mercado é quem regula os salários da docência, achatando-os sempre que possível. Algo que pode acontecer no Brasil, com a proposta de privatização das universidades públicas que já circula nos grupos anarcocapitalistas. "O professor chinês ganha mal", diz ele "e para que ganhe bem, precisa ter uma carreira acadêmica excepcional - o que só se consegue lá pelos 50 anos de idade", adiciona.


Ainda, meu professor explica que há uma metáfora que exemplifica a nobreza (e também a tragédia) da profissão docente: "Falamos que o professor é uma vela, que se desgasta para iluminar o caminho dos outros". Ele protesta fortemente contra essa metáfora que supostamente enobreceria a profissão. Meu professor de chinês não quer ser professor quando voltar à China, ele não quer se sacrificar por outras pessoas. Ele quer ter a própria vida, e não que a profissão a tome de si.
Com isso, fico pensando: o quão perto estamos dessa metáfora desafortunada, aqui, no Brasil? Essa metáfora que justifica com o ato do autossacrifício as condições da profissão? Quantas vezes não nos deparamos com pessoas que consideram a docência um dom, uma profissão de inspiração, mas que não se importam com as qualidades de trabalho da classe docente (e inclusive culpam os professores pelos protestos e greves, afinal, "escolheram ganhar pouco")? O que aconteceria se as universidades públicas fossem extintas e perdêssemos os parâmetros de bons salários para professores?
Só consigo ser pessimista quanto a tudo isso. Ser professor no Brasil está muito próximo de ser como uma vela, que se fode, que se desgasta, para que outras pessoas enxerguem o caminho à frente. E isso seria mesmo lindo se não fosse trágico. Uma profissão nobre, de valor, que inspira e que faz diferença - tendo seu mérito jogado no lixo, em função da corrida do mercado que mina a educação brasileira. 

Será mesmo que quero ser essa vela?
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