Léo ao Léu

  • Home
  • Quem & Sobre
  • Sites
  • Ao Léo na WWW
Home Archive for agosto 2015
É comum generalizarmos ao criar ou transmitir conhecimento. Procuramos sempre formular um modelo que explique toda ou boa parte da realidade em questão e faça-a previsível, conforme nossos objetivos. O modelo atômico que vemos no ensino médio, por exemplo, é uma abstração da realidade que exclui muitos aspectos desnecessários (como o desdobramento de cada um dos componentes do átomo) para a compreensão exigida de um estudante de ensino médio. Ainda temos, nas aulas de literatura, períodos históricos estanques (arcadismo, romantismo, realismo, naturalismo etc.) que apesar de ajudarem a compreender a arte não passam de meras visões macro-generalizadoras (e por vezes grosseiras) do fenômeno em si. Quantas vezes não nos deparamos com poemas ou romances completamente alheios à estética nas quais se encontram inseridos segundo a academia? E isso não é necessariamente ruim. Tudo depende dos objetivos pelos quais se faz a generalização. O ensino de gramática, por sua vez, é sempre feito a partir dela. Afinal, um estudante comum não precisa saber desenvolver uma árvore de sintagmas para produzir um texto satisfatoriamente inteligível - é possível fazê-lo a partir de regras que generalizam e categorizam os componentes da língua. 
Enfim, a mais ou menos medida, generalizamos.
As generalizações não acontecem somente na escola. Na vida diária, utilizamos diversos conceitos gerais que excluem pormenores da realidade. Exemplo disto são os termos para orientação sexual. Todo mundo sabe que é difícil encontrar uma pessoa que se defina cem por cento homossexual ou heterossexual. Da mesma forma que uma pessoa bissexual não gosta obrigatoriamente da mesma maneira dos dois gêneros/sexos como sugere a definição de bissexualidade. A sexualidade humana é fluída e complexa - e mesmo assim fazemos uso de labels, de generalizações, para ela. 
Enfim, a mais ou menos medida, generalizamos também na vida diária.

Fotografia por Nirzar Pangarkar que mostra uma mulher sentada no campo com um caderno em mãos. Ela parece estar anotando, criando conhecimento, categorizando a natureza ao seu redor. Em outras palavras, ela está promovendo generalizações.

Por fim, generalizar não é estereotipar. Desconsiderando os propósitos geralmente desdenhosos pelos quais se cria um estereótipo, há ainda outra diferença a se observar entre os dois processos. Quando se cria um estereótipo, utiliza-se conhecimento limitado acerca do objeto a ser estereotipado. Diferentemente da generalização, que parte de experimentação, da argumentação, do conhecimento, do debruçar-se sobre o objeto de análise para então se extrair dele um modelo satisfatório.
Tomemos como exemplo o estereótipo do brasileiro como morador de um país predominantemente selvático e como falante nativo do espanhol. As pessoas que reproduzem tal estereótipo têm um conhecimento limitado no que diz respeito à América Latina, pois pensam que a língua espanhola é comum a todo continente. Elas também levam a presença da Amazônia no norte do país em conta para formular o estereótipo, preenchendo o resto do território brasileiro com matas - aí, novamente, está a marca do conhecimento que não é nulo, mas limitado e desinteressado, convencido de que o pouco é suficiente, acerca de algo. Uma investigação atenta ao povo e às vegetações do país revelaria que falamos português e que a nossa vegetação é muito mais diversa do que se pensava. Tal investigação, por outro lado, geraria modelos simples que não corresponderiam totalmente à realidade brasileira: a palavra "português brasileiro" abarcaria variantes linguísticas completamente distintas, como o português carioca e o português gaúcho; assim como a diversidade descrita pelos botânicos seria mais complexa do que as categorias "mata atlântica", "cerrado", "caatinga" e assim por diante.

Em resumo, o que quero dizer com este texto é que 1) generalizamos para produzir e reproduzir conhecimento e isso não é necessariamente ruim, 2) usamos generalizações todos os dias e 3) generalizar é diferente de estereotipar.

Perceber isso me deu novos olhares ao ensino e à escolarização. Escrevo sobre esses olhares qualquer outro dia...
Sempre que você se senta aí e toma o seu chá eu me pergunto se você tem consciência de que não é possível se ver.



Vejo quando você me olha por detrás da caneca. Vejo sua expressão quando  a levanta para sorver o chá e logo a pousa sob o porta-copos. Tenho uma imagem do que você é agora. As pessoas, em geral, sabem que você é você e mais ninguém. Você está aí na cadeira tomando chá, e me olha de vez em quando. Eu vejo você. O mundo vê você. Tenho certeza absoluta, contudo, que você não se vê. 

Sabe, creio que vivamos num cenário meio controverso. A gente cultua a nossa própria imagem. Amamos espelhos. Utilizamos muito a palavra "eu" - a mais recorrente na nossa língua. Tiramos selfies o tempo inteiro. Atualizamos nossas redes sociais (santuários individuais) todo dia e todo o dia. Somos bem eu. Bem egoístas. Gostamos de exibir nossa identidade e o quão únicos podemos ser. E no entanto, nunca nos alcançamos efetivamente. Nunca nos vemos. Você nunca se viu. Seu rosto - seu verdadeiro rosto - nunca foi visto pela pessoa mais interessada nele: você. 

É inútil analisar o espelho da cozinha. Você sabe que a imagem da pessoa sentada bebendo chá não é exatamente você. Uma coisa refletida é uma coisa refletida - e não o objeto que originou a reflexão. A inversão das dimensões horizontais faz a reflexão trair o objeto refletido. Sua direita se tornou sua esquerda e o que espelho mostra é diferente do que eu, aqui do outro lado da cozinha, vejo de você. Eu, sim, vejo o que você é. O reflexo só engana. É uma imitação barata em vidro. 

E o mesmo vale para qualquer outro tipo de representação que você pensou até agora ser sua. O monitor do computador desligado. Os vidros escuros nos prédios do centro. A câmera frontal do seu smartphone. Todos eles corrompem o que eu vejo. Cópias invertidas, distorcidas em cores, dimensões e proporções da realidade - do que eu vejo de você. Todas essas coisas afastam do seu alcance o que você realmente é para as pessoas. O cenário em que vivemos, onde o eu é o centro, torna-se no mínimo paradoxal. Vivemos para algo que nunca alcançamos.

Não, claro que as representações digitais não são o caminho para você se ver. Leve em conta até a câmera mais potente de todas. Uma máquina com alta capacidade de captura. É óbvio que ela tem de ser filmadora também, afinal, só um momento de você não é você na sua totalidade. Um milésimo de você levantando sua xícara é só um milésimo do todo. Algo tão distante do todo que nem vale a pena discorrer sobre. Enfim, filme-se com essa câmera. Você pode até desconsiderar que mesmo a câmera mais potente de todas não se equivale ao olho humano. Finjamos que a quantidade de cores e a proporção dos objetos vai ser mesmo capturada pela tal câmera. Mesmo assim, onde você irá reproduzir o vídeo que você gravou de si? Exatamente. Num telão? Que vai distorcer a imagem conforme o pano  que o compor e o ambiente em que for colocado? Numa tela de computador? Que vai comprimir você em pixels e submeter você ao contraste da tela? Não adianta. Qualquer tela eletrônica trairá o que eu vejo. De novo, são imitações baratas em vidro ou em lona.

Você nunca vai se ver. Conforme-se com isso. Os espelhos, as câmeras e os outros tipos de reflexos sempre vão trair o que eu vejo de você. Olhe agora para a sua mão direita, a que segura a caneca de chá. É o máximo que você vai ver de si. Movimente-a, leve-a para perto do seu inacessível rosto. Toque-o. Tateie-o. É o limite, o mais longe que você pode chegar do que eu vejo. Resigne-se à sua incapacidade de se ver de verdade. Você sempre será cego quando se trata de si. 
Assinar: Postagens ( Atom )

Oi

turu bei

Inscreva-se!

Postagens
Atom
Postagens
Comentários
Atom
Comentários

Viajadas populares

  • Material para estudo autodidata do francês
  • Flavescit's guide to Maika's english
  • Tutorial UTAU: Usando português CVVC
Creative Commons BY-NC. Tecnologia do Blogger.

Arquivo disto~

  • ►  2018 (8)
    • ►  novembro (2)
    • ►  setembro (2)
    • ►  julho (3)
    • ►  janeiro (1)
  • ►  2017 (4)
    • ►  dezembro (1)
    • ►  setembro (1)
    • ►  fevereiro (2)
  • ►  2016 (8)
    • ►  julho (1)
    • ►  junho (1)
    • ►  maio (1)
    • ►  abril (2)
    • ►  março (1)
    • ►  fevereiro (2)
  • ▼  2015 (9)
    • ►  novembro (1)
    • ▼  agosto (2)
      • Generaliz-o-as-a-amos-ais-am
      • Você está aí e não se vê
    • ►  julho (1)
    • ►  junho (2)
    • ►  maio (3)
  • ►  2014 (2)
    • ►  março (1)
    • ►  fevereiro (1)
  • ►  2013 (4)
    • ►  agosto (1)
    • ►  julho (1)
    • ►  março (1)
    • ►  fevereiro (1)

Viajadas Recentes

  • Tutorial UTAU: Usando português CVVC
  • A brief list of useful internet abbreviations and expressions from Portuguese

Flickr da Semana

Atribuição importa!

Licença Creative Commons
Léo ao Léu de Flavescit está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

As imagens que eu uso no blog inteiro pertencem à Gluta! Não a mim!

diHITT
Creative Commons 2016 Léo ao Léu.
Designed by OddThemes